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Matriz Doutrinária Progressista

Para Começar, a Pessoa Humana

Em absoluta contradição com o que estamos habituados a presenciar, nossa dignidade e o decorrente respeito dessa dignidade pelos demais e pelas instituições da sociedade não pode provir do que nos diferencia (bens materiais, títulos, idade, raça, beleza, força física, etc.) mas deve basear-se no que temos em comum. E é na condição de pessoa humana que ela se firma, como reconhece o primeiro artigo da Constituição Federal ao incluir a "dignidade da pessoa humana" como um dos cinco fundamentos da existência da nação.

O conceito de pessoa, é bom saber, foi articulado pelo pensamento cristão. Segundo ele, a pessoa humana é portadora de uma dignidade natural e de "direitos anteriores ao Estado" (Leão XIII, Rerum Novarum, 1891). Conjugam-se nela dualidades aparentemente antagônicas mas complementares: ela é material e espiritual, individual e social, imperfeita e aperfeiçoável, racional e emocional, sendo dotada de inteligência, vontade e liberdade. É do encontro da inteligência com a vontade, na presença da liberdade, que se define a moralidade das ações humanas.

Hoje fala-se muito em cidadão e pouco em pessoa humana. Mas esses dois conceitos não se confundem e remetem a uma outra questão fundamental: há um Direito Natural, inerente ao ser humano, ou existe apenas o Direito Positivo, expresso nos ordenamentos jurídicos? A pergunta não é teórica, como pode erroneamente parecer. Antes, é absolutamente prática, e da coluna onde cravarmos o X da resposta pendem maneiras totalmente divergentes de se viver a política e organizar a sociedade.

Os que admitimos o conceito de pessoa humana, como acima expresso, afirmamos que antes de existirem o Estado e suas leis já existia a pessoa humana, portadora de direitos (Direitos Naturais), como o direito à vida e à liberdade. Admitimos também, que todos participamos da mesma e igual natureza. De outra parte, nas sociedades modernas, toda pessoa humana é também um cidadão, mas nessa condição, está submetida ao Estado e desfruta apenas dos direitos que os códigos lhe conferem (Direito Positivo). Já se percebe aqui a possibilidade de alguns problemas: o estrangeiro não é cidadão, o feto não é cidadão, e se a lei estabelecer que alguém pode ser eliminado, ele o será, legalmente; se a lei definir que o feto pode ser abortado, ele o será, legalmente. Daí se conclui que tanto mais perfeito é o Direito Positivo (legislado) quanto mais de acordo estiver com o Direito Natural. Por conseguinte, conhecer, reconhecer e valorizar o Direito Natural deveria ser critério importante na seleção dos que elaboram as leis e dos que as fazem cumprir.

Enquanto houver sobre direitos naturais - no sentimento do corpo social - rombos ou fissuras, continuaremos a conviver com as muitas formas de brutalidade que por vezes nos sobressaltam mais do que deveria nos assustar o cotidiano ao qual nos acostumamos.

Pessoa, ser Individual ou Social?

Essa é uma das questões de fundo no debate ideológico entre esquerda e direita. Nossa natureza individual é algo que salta aos olhos de modo permanente. Quando tropeço numa pedra, o pé que dói é o meu e o de ninguém mais. Cada um de nós tem a sua memória, a sua história, a sua própria vocação, seus gostos e desgostos. Nossa carteira de identidade apresenta uma impressão digital que, como qualquer célula de nosso corpo, é única, própria e irrepetível. Se cada um de nós não existisse e quisesse Deus criar um outro ser como nós, precisaria recriar nossos pais, e os pais deles, e assim sucessivamente, até que toda a Criação tivesse sido refeita.

Contudo, esse ser assim tão individual é, também, um ser social. Somos sociais por carência (precisamos dos demais) e por abundância (podemos e devemos contribuir para o conjunto da sociedade em que vivemos). Somos um elo da sociedade presente e um elo social do passado com o futuro. Nossas atitudes, nossa cultura, nossos hábitos são aprendidos do meio social. Se, a exemplo de Tarzan, fôssemos criados na floresta, por um bando de chimpanzés, sem contato com outros seres da própria espécie, nossos comportamentos reproduziriam em tudo o que fosse possível o ambiente social em que estaríamos inseridos. E ao chegar a idade adulta, se não nos aparecesse a Jane, acabaríamos casando com a Chita.

No entanto, apesar da obviedade dessas constatações antropológicas, o fato é que as ideologias deste século penduraram-se nos fios do individualismo e do coletivismo. Para o individualismo o ser humano é movido pelo interesse próprio e sua natureza é puramente individual ou dominantemente individual. Para os coletivismos o ser humano é puramente social ou dominantemente social. Praticamente toda a confusão que operaram ao longo de quase dois séculos decorre desses erros fatais.

Individualismo e Coletivismo, Erros Fatais

Para o individualismo liberal, uma de suas virtudes consiste em extrair do egoísmo os impulsos propulsores do interesse próprio para estimular as atividades econômicas. Entendem seus pensadores que as necessidades humanas são mais plenamente atendidas quando todos os indivíduos buscam suas conveniências afanosa e irrestritamente. Note-se que há uma lógica sedutora nesse conceito porque a experiência mostra que as pessoas tendem a se dedicar mais ao que lhes convém pessoalmente do que ao interesse alheio. Já para o coletivismo, o interesse próprio precisa ser eliminado como condição indispensável a que o interesse coletivo prevaleça. A busca egoísta das conveniências individuais estabeleceria a prevalência dos mais fortes sobre os mais débeis com graves danos ao equilíbrio social. Também aqui há uma lógica sedutora pois é exatamente isso o que a experiência exibe ao observador atento.

Como admitir-se que duas noções antagônicas possam estar corretas? Ou, ainda: como podem ambas estar erradas embora coincidam com o que se observa? Onde está, afinal, a verdade? Ela não está em qualquer das duas (como revelaram todas as práticas individualistas e coletivistas). Para encontrar-se a verdade é preciso reconhecer aquilo que a doutrina cristã ensina: a pessoa é um ser ao mesmo tempo individual e social. O bem da pessoa e da sociedade não pode ser atendido por uma ordem que desconheça essa dupla condição. Assim, o Estado não existe para garantir os espaços do egoísmo nem para extinguir o interesse individual.

Cabe-lhe, ao contrário, atuar no sentido de que o interesse de cada um se ponha a serviço do bem comum, promovendo relações sociais solidárias. Produzir isso é o papel da atividade política. O segundo maior mandamento da lei de Deus é o princípio original do pensamento político cristão: não nos é imposto amar ao próximo mais do que a nós mesmos nem amar-nos a nós mesmos mais do que ao próximo. O justo equilíbrio leva à solidariedade.

Dizia-me alguém, dias atrás: o homem é naturalmente egoísta. E eu complementei: e é, também, naturalmente comodista, naturalmente hedonista, naturalmente pecador, o que não significa que no confronto natural entre os vícios e as virtudes se deva deixar dominar por aqueles em detrimento destas. É bom saber, por fim, que assim como o individualismo estimula o egoísmo de cada um, o coletivismo - como a história, amplamente, demonstrou - organiza esse mesmo egoísmo em modelos políticos totalitários.

A humanidade muito apanhou no brutal confronto entre o individualismo e o coletivismo. Este, criando estruturas de dominação social para inibir a expressão da individualidade; aquele, quando muito generoso, chegando ao social como um episódico ensaio de amabilidade, apropriado para as horas livres. Nas horas ocupadas, impondo estruturas de dominação individual.

Igualdade, um Desafio

O tema da igualdade é, por certo, um dos que mais desafia aqueles que se preocupam com as questões sociais. De fato, não é um assunto que "se possa deixar para lá" porque, queiramos ou não, ele surge quotidianamente perante nossos olhos, nossa consciência, nossa vida cristã, nosso ambiente político e nossa realidade econômica. Não existem duas pessoas iguais. Mesmo aquelas que vemos como "parecidas" diferem entre si em uma infinidade de aspectos. Deus não se repete. E as conseqüências dessa originalidade se multiplicam pela combinação de diferentes vontades e graus de liberdade com desigualdades físicas, psíquicas, emocionais e intelectuais. Ao criar com tão caprichosa variedade, Deus expressa determinados desígnios que relutamos em aceitar.

Lendo-se essas revistas que se debruçam sobre as exuberantes prodigalidades dos bilionários, percebe-se que há uma intransponível desigualdade entre o nosso padrão de vida e o deles (bilhões de pessoas, se tivessem a possibilidade de olhar para mim - para mim! - experimentariam a mesma sensação, e isso me causa certo mal-estar). Ao contemplar as piruetas de um atleta olímpico nas barras paralelas, a fluência de um poeta repentista, o comovente desempenho de um bom ator, a virtuosidade de um pianista consagrado (e fico por aqui porque a lista é inesgotável) nota-se que, neles, sobram capacidades que não só nos faltam como nos fazem falta. Todos gostaríamos de tê-las. É justo, isso? E no entanto, sabemos que nós mesmos, o atleta, o ator, o bilionário, o virtuose e o poeta, somos iguais. Iguais em quê? Iguais na mesma dignidade.

Liberdade, igualdade e fraternidade!, berrava a burguesia francesa enquanto secionava o pescoço dos cortesãos, abrindo caminhos para uma nova elite em que não se viram donas de casa nem padeiros. De fato, a igualdade e a simetria dos pratos da balança servem à justiça e nos desconcerta ver o deserto e a várzea, quer estejam na natureza ou nas habilidades do corpo e do espírito.

O tema da igualdade é um desafio que nos cria o Criador. Ele fez certo, embora na estreiteza de nosso entendimento, talvez nos sentíssemos tentados a lhe recomendar um melhor controle de qualidade e Lhe indicássemos alguma bibliografia sobre produção em série. A mecatrônica sobrepujando o humanismo... Imagine, leitor, o mundo que faríamos se o pudéssemos fazer ou refazer. Ali, nas nossas linhas de produção industrial, com um bom laboratório, chegaríamos a uma ISO-9001 da humanidade, onde todos seriam perfeitos e haveria uma correta distribuição dos atributos que tanto valorizamos, como beleza, saúde, inteligência, força, etc...

Não são poucos os que, inconformados com as desigualdades naturais, defendem um Igualitarismo em que todos seriam nivelados por força de lei humana. Várias utopias, aliás, foram construídas sob essa inspiração, confundindo a igualdade de direitos e a igualdade perante a lei, com igualdade por força de lei. É de se indagar: seria justa uma corrida em que cada competidor largasse de um ponto diferente da pista para cruzarem todos juntos a meta? Ou, ao contrário, o que torna justa a competição é estarem todos alinhados na hora da partida? Nosso principal equívoco, sob esse ponto de vista, está na largada e não na chegada.

O padre Fernando Bastos de Ávila sintetiza bem a questão ao observar que o princípio da Igualdade, nas sociedades políticas, implica três exigências fundamentais: 1ª) a igualdade inicial de oportunidades para todos ( com especial aplicação nos campos da Educação e da Saúde); 2ª) a disponibilidade, para todos, de iguais possibilidades de realizar sua dignidade essencial (com especial aplicação no campo do Trabalho); e 3ª) a disponibilidade de condições diferentes para que cada um possa realizar talentos diferenciados (com uma quase infinita gama de possibilidades).

A Solidariedade

"Cada um cuida de si e Deus de todos!" proclamam os individualistas, embora sejam muito rápidos em pedir socorro nas próprias necessidades. Errando sobre a natureza humana, desconhecem a si mesmos, aos demais e, principalmente, não conhecem a Deus. O egoísmo que bem os caracteriza fundamenta-se naquilo que julgam aprender da Natureza: Os minerais, servem aos vegetais; os vegetais servem aos animais; os animais de ordem inferior, menores, mais fracos e mais lentos, servem aos animais de ordem superior, maiores, ou mais fortes ou mais ágeis; todos os animais, vegetais e minerais, servem ao homem. Ora, observando os homens, percebe-se que também entre eles, existem os menores, mais fracos, mais lentos, menos inteligentes, menos aptos. Logo, o mesmo princípio que em tudo se observa - os seres de ordem inferior servem aos fins a que se destinam os seres de ordem superior - há de valer para a humanidade inteira. Certo? Errado! Esse raciocínio esgota sua validade ao chegar ao gênero humano porque, como se viu antes, todas as pessoas, independentemente daquilo que as distingue, são titulares dos mesmos direitos naturais e da mesma dignidade.

Os coletivistas, ao perceberem a natureza social da pessoa humana, sentindo o equívoco do individualismo e atentos aos seus péssimos reflexos na vida das sociedades, ensaiaram três versões de sua filosofia social. Vamos defender a nação dos egoísmos alheios! E criaram o fascismo. Vamos defender a raça dos egoísmos alheios! E criaram o nazismo. Vamos defender a classe social dos egoísmos alheios! E criaram o comunismo. Em cada um dos três coletivismos que a história conheceu está presente o germe do mesmo mal: há um coletivo que quer ordenar para dominar ou não ser dominado e onde os indivíduos do grupo social - abelhas de uma colméia, formigas de um formigueiro, cupins de um cupinzeiro - são fragmentos do todo-poderoso coletivo, onde cada um se destrói e renasce como participante místico do todo em que se integra.

Não preciso gastar palavras para rememorar o cortejo de tormentos e violências que os coletivismos produziram ao longo deste século. A partir de um engano antropológico, desconhecendo a natureza da pessoa humana, potencializaram o egoísmo individual. Deram caráter orgânico e místico ao mesmo egoísmo que no individualismo adquire feição maléfica, sim, mas desordenada e não sistêmica. Fizeram mais, lhe colocaram armas nas mãos e o levaram à guerra, pela direita e pela esquerda do estúpido arco ideológico.

É parte dessa loucura, no caso dos coletivismos, o tipo de solidariedade que anunciam. Colocam rótulo legítimo num uísque paraguaio de péssima qualidade pois chamam solidariedade ao sentimento que une o coletivo. Ora, solidariedade não é mera união de interesses. Para exemplificar, indago: pode-se chamar solidariedade o espírito que congrega os participantes de uma reunião da poderosa Confederação Nacional da Indústria? É claro que não. Tal grupo se une por interesse, da mesma forma que por interesse se reúne a CUT no outro lado do corredor. Solidariedade é aquilo que acontece se e quando os dois grupos saem de suas salas para um sincero encontro com vistas ao bem comum.

Não mais legítima é a beberragem servida com o rótulo de solidariedade pelos individualistas. Coerentemente com a filosofia social que esposam, ela se converte num sentimento individual, meio inadequado, uma extravagante combinação de caráter, circunstância e vontade, capaz de levar alguém, agindo contra a própria natureza naturalmente egoísta e voltada ao interesse próprio, a se ocupar episódica e esporadicamente, com os problemas alheios. Uma atitude nesse sentido, determinada e permanente, será, por certo, sintoma de grave deformidade moral ou enfermidade psíquica...

Uma vida social efetivamente democrática vai necessitar, como nós necessitamos do ar que respiramos, de uma cultura de solidariedade com vigência na alma social, ali convertida em virtude. Solidariedade não é parceria, embora a parceria possa ser expressão de solidariedade. Solidariedade não é tampouco um espasmo de sensibilidade individual, mas é um vínculo permanente do indivíduo com a vida, com certos interesses legítimos (também, sim), e com as responsabilidades de um grupo social, de uma nação e da própria humanidade.

Não é estranho que na visão comum de solidariedade se promova um salto em dimensões meridianas, do núcleo familiar para o âmbito planetário? Temos, sim, consciência da solidariedade do núcleo familiar que dissolve, muitas vezes, os interesses divergentes de seus membros com vistas a um bem comum. Temos, também, e com igual conseqüência, noção de uma solidariedade planetária com vistas às questões ecológicas (sentimo-nos passageiros transitórios do planeta e crescentemente compreendemos que o compartilhamos com contemporâneos de outro hemisfério que jamais vimos e com gerações vindouras que jamais veremos). E nos falta, contudo, o sentido de solidariedade em tudo mais: na empresa, na cidade, no estado, no país, em relação aos povos vizinhos e assim por diante.

É possível que a estas alturas, o leitor atento destas páginas esteja refazendo a questão da qual tratei anteriormente: mas o ser humano não é naturalmente egoísta? Reproduzo a resposta: e somos também naturalmente comodistas, hedonistas e predadores. Mas isso não significa que devamos permitir que nossos vícios sufoquem as virtudes, mesmo sabendo que aqueles unem tanto ou mais do que estas.

Contudo, se somos assim (e somos assim), também é verdade que a solidariedade é parte - e parte boa - da nossa natureza social. E isso se comprova com o fato, por todos experimentado, de que jamais esquecemos das ocasiões em que fomos solidários, tanto quanto jamais olvidamos as ocasiões em que faltou solidariedade para conosco.

O Bem Comum

É conhecida a definição de açúcar segundo a qual ele é um pozinho branco que deixa amargo o café quando não o adicionamos a ele. Analogamente, o bem comum é aquele princípio da vida social sem o qual uma comunidade se desagrega. Ele é formado pelo conjunto de condições materiais e espirituais necessárias a que as pessoas se realizem, presente em todos os grupos sociais harmônicos. Assim, há um bem comum familiar; há um bem comum do bairro, da cidade, do estado e do país; e há um bem comum à humanidade inteira. É da noção de bem comum que surge a consciência ecológica; e é da noção de bem comum que se pode realizar aquela reunião entre a CUT e a CNI mencionada no capítulo de que tratamos da solidariedade.

Já se vê que o bem comum é um princípio indispensável à organização do Estado (sendo ele mesmo, o Estado, parte do bem comum nacional) e se formos apontar uma finalidade à Política, aí também estará a construção do bem comum como o seu mais nobre e legítimo objetivo.

O princípio do bem comum é flagrantemente contraditório ao individualismo, que o rejeita com todas as forças de sua alma egoísta. A filosofia social individualista contrapõe ao bem comum o conceito de bem geral, formado não por um conjunto de bens efetivamente comuns mas pelo somatório dos bens particulares dos indivíduos e organizações. Pouco lhe importa o número de dígitos que cada um aporte a essa soma esdrúxula, nem lhe interessa se ela resultar algébrica pela soma dos números positivos de uns com os negativos de outros.

Bem ao contrário do que decorra dessa matemática patrimonial, a experiência revela que, não raro, o bem comum resulta muito mais das renúncias de cada um do que dos ganhos que os indivíduos aufiram.

Por paradoxal que possa parecer, o princípio do bem comum é contraditório, também, à filosofia social dos coletivismos, mesmo daqueles que, como o comunismo, sustentam o caráter comum dos bens. Para compreender razão disso é preciso perceber o caráter não pluralista e não democrático dos coletivismos, onde o único bem que conta é o bem do coletivo dominante: a nação no fascismo, a raça no nazismo e a classe social no comunismo. Portanto, no comunismo, até mesmo pela ausência de bens pessoais que possam conferir liberdade e autonomia aos indivíduos, a transferência dos bens econômicos ao Estado se converte em fonte de dominação política.

É exatamente pela inexistência de um bem efetivamente comum que os coletivismos resultam totalitários. Como o único bem que conta é o do coletivo dominante, as liberdades públicas e os direitos políticos - parte expressiva do bem comum das sociedades efetivamente democráticas - são surripiados até o último resíduo pelos coletivismos, como condição indispensável a moldar um rebanho de servos submissos ao poder político. Este, por seu turno, cuida logo de entupir os ouvidos da massa informe com as mentiras de sua propaganda. E enquanto subtrai ao povo o bem comum interno lhe dá coesão através da maliciosa construção de um sinistro mal comum externo. Não é por acaso que todos os coletivismos foram à guerra.

Podemos falar em bem comum genérico, envolvendo objetivos permanentes da sociedade: segurança, liberdade, justiça, ordem e progresso, bem como o conjunto do patrimônio cultural, moral e institucional. E em bem comum específico, que são os bens materiais (riquezas naturais, bens públicos de infra-estrutura, etc.) disponíveis à manutenção e consecução do bem comum genérico. Desta última divisão conceitual decorrem nitidamente os papéis próprios e diferentes do Estado e dos governos. Cabe ao Estado zelar pelo bem comum genérico e cabe aos governos o cuidado do bem comum específico.

Mas isso tudo não é muito vago? indagará, talvez o leitor. Felizmente, sim. Porque é desse caráter vago que decorre a própria necessidade da política e da democracia. Se tudo fosse absolutamente objetivo e o bem comum algo cientificamente definido - como pretendiam e infelizmente ainda pretendem alguns profetas dos totalitarismos e da organização científica das sociedades - bastariam as estruturas burocráticas para colocar em marcha o Estado. Apele à sua memória, leitor: não foi exatamente isso o que passaram a dizer as esquerdas nacionais quando caiu o muro de Berlim e se desfez o mito do socialismo de estado? Não passaram elas a proclamar, tentando salvar os fundilhos da utopia, e diferentemente de quanto diziam antes, que fora o socialismo burocrático que caíra?

Quando compareço a um jantar servido em forma de buffet, torço para que, de alguma forma, o acesso ao mesmo seja organizado. Caso contrário, acaba havendo um corre-corre no qual os mais ágeis, os mais mal-educados e os mais corpulentos levam vantagem. Os mais ágeis porque chegam primeiro, os mal-educados porque furam a fila e os corpulentos porque ocupam maior frente de mesa e travessas. São os beneficiários da desorganização, que sempre prejudica os lentos, os fracos e os bem educados. A situação descrita pode ser considerada uma parábola do Brasil e de outros países com problemas de organização política com vistas à promoção do bem comum, cuja desordem política, econômica e administrativa serve aos interesses dos ágeis (espertos), dos mal-educados (sem caráter) e dos corpulentos (poderosos). Estes controlam o buffet, onde consolidam as posições privilegiadas e o acesso à maior parte dos bens disponíveis.

Resumindo: não podemos acabar com a democracia do buffet para que o Estado coloque no prato de cada um uma porção insossa do pirão insuficiente que produza (como pretendem os coletivistas), nem transformar o acesso a ele numa cerimônia selvagem onde os mais fortes prevaleçam (como desejam, para benefício próprio, os individualistas). A verdadeira Liberdade, outra virtude social, não é isso.

Esplendor e Fracasso da Liberdade

O macaco, quando empilha caixotes para apanhar bananas suspensas fora de seu alcance, está usando um atributo, denominado inteligência, comum a várias espécies animais. Já quem se empenha em conhecer a Verdade e o Bem, usa de uma outra faculdade, especificamente humana, chamada razão. A razão - a razão pura - esteve no centro da revolução filosófica dos séculos XVIII e XIX.

Que decepção teriam os pensadores daquela época se pudessem confrontar o otimismo que suas idéias suscitaram com a quase absoluta irracionalidade a que chegamos! Nunca a humanidade foi tão destra em empilhar caixotes para apanhar bananas, quer elas pendam de Júpiter ou de uma retorta de laboratório, mas jamais esteve tão distante de apreender o sentido da vida e desinteressada de orientá-la para o Bem. Erich Fromm resume assim a situação: !Possuímos o saber-como (know-how), mas não possuímos o saber-por-que (know-why) nem o saber-para-que (know-what-for)".

O motivo é evidente. Absolutizando razão e liberdade, essa filosofia desenrolou o tapete para o relativismo e o existencialismo: se a razão for a única fonte da verdade e se a liberdade for a essência do homem, ter-se-á uma verdade para cada mente e o homem deve ser o que quiser fazer de si. O resultado é a miséria da filosofia e o trágico descaminho, travestido de liberdade, percorrido por gerações despreocupadas com a Verdade e com o Bem, patrocinadoras da prosperidade de advogados e profissionais da saúde mental. Destes, porque lidam com os cacos que as pessoas acabam fazendo de si (e umas das outras) por não terem compreendido o que de fato são, e daqueles porque - ausente a noção de Bem - as relações sociais se orientam apenas por interesses que se complicam quando a regra é o desregramento.

Um prato cheio - de bananas. Extraviada a idéia de Bem, a noção de erro se esvazia e a consciência pessoal se amordaça num novelo de racionalizações oportunistas e egoístas. Nada há de surpreendente, então, na derrocada da instituição familiar, na irresponsabilidade moral de pais, educadores e comunicadores, na decadência do papel do Estado, nem na insignificância das virtudes individuais e sociais. E ainda aparece quem recrimine o Cristianismo por não se moldar segundo tais paradigmas!

Ninguém levanta cedo, troca o lazer pelo dever, o prazer pelo compromisso moral ou pelos desconfortos do trabalho, porque assim queira mas porque reconhece como verdade haver nisso um bem superior ao aconchego da cama, aos gostos da recreação, e às excitações dos muitos vícios com que poderia ocupar seu tempo. A liberdade, como virtude moral, não consiste em se fazer o que se quer mas em se fazer o que se deve com vistas ao Bem.

Portanto, a liberdade só pode ser um princípio da vida social, se for, também, um valor moral que implica, conforme ensina Fernando Bastos de Ávila, o uso consciente dos direitos e o exercício responsável dos deveres. E aqui se reproduzem, mais uma vez, os antagonismos que vimos assinalando nas páginas anteriores entre a essência do Cristianismo e as filosofias do individualismo e dos coletivismos.

Com efeito, para o individualismo, a liberdade consiste, como se afirmou acima, em que cada um possa fazer o que deseja, contanto que não interfira na liberdade dos demais, cabendo ao Estado como função principal, assegurar aos indivíduos a possibilidade de usar dessa liberdade. No plano econômico, a liberdade se expressa no mercado, território vedado a qualquer interferência dos poderes públicos (é a essência do liberalismo econômico). Para os coletivismos, a liberdade é um atributo do coletivo dominante e não das pessoas. Assim, em todos eles, sofrem pesadas restrições as liberdades públicas, os direitos políticos e os diretos humanos, a começar pelos processos de doutrinação a que são submetidos os membros da sociedade, passando pelo tratamento dispensado às dissidências políticas, e chegando no caso do coletivismo marxista à supressão das liberdades de iniciativa econômica individual.

Mais adiante nos deteremos na questão das liberdades econômicas, bastando, neste momento assinalar que essa liberdade faz parte da liberdade humana integral, onde o Estado vai cumprir, como em tudo mais, uma função subsidiária que o individualismo rejeita (porque o quer mínimo e insignificante) e o coletivismo marxista recusa (porque o deseja protagonista de todos os papéis relevantes).

O Papel Subsidiário do Estado

Parece interessante introduzir este tema a partir de questão bastante prática e atual - o tamanho do Estado - que, como se sabe, excita e divide no plano ideológico e fisiológico o auditório nacional. Nas trincheiras ideológicas se debatem infatigáveis como de hábito a velha esquerda e a antiga direita. No plano fisiológico o conflito é mais agudo: de um lado os que, ao longo do tempo, foram firmando direitos e se apropriando de parcelas cada vez maiores do Estado, constituindo as poderosas corporações funcionais do país; de outro as corporações privadas que cobiçam deitar mão sobre tudo quanto hoje é dito público a começar pelas iguarias mais finas proporcionadas por nosso vastíssimo cardápio estatal. Indagaria então o leitor: não existe qualquer vestígio de idealismo nesse debate? É difícil compreender que um debate entre partes tão mal-intencionadas possa repercutir entre pessoas sensatas. Mas como disse acima, as ideologias cumprem esse estonteante papel: embebedam o peru das massas para o posterior jantar das elites. Uma coisa é defender-se as relevantes funções civilizadoras, humanas e sociais do Estado; outra, é querer preservar estruturas estatais abusivas de privilégio e poder. Uma, é sustentar a prioridade das iniciativas privadas; outra, é querer derrubar a casinha do salva-vidas para que a praia fique entregue apenas aos atletas da economia. Portanto, a boa intenção corre por conta de quantos, ingenuamente, acreditam na sinceridade das exposições de motivos com que os antagonistas divulgam suas posições e se engajam nos respectivos movimentos. Não há como excluir do qualificativo fisiológico quem se mova por interesse próprio, ao arrepio do bem comum, em qualquer das duas facções que se rosnam reciprocamente à mesa desse banquete.

O primeiro grupo fisiológico é formado por aqueles que, de maneira muito especial, se interessam em confundir público com estatal. A respeito, me parece oportuno transcrever, tomando a liberdade de uma tradução não-autorizada, trecho de conferência do prof. Andrés Ollero Tassara, catedrático de Filosofia do Direito na Universidade de Granada sobre o tema "La apropiación de lo público por el estado". Diz o professor e deputado granadense no parlamento espanhol: Se determinadas posturas ideológicas conseguem fazer seu o termo "público", chegando a convencer de apenas elas defendem tão nobre objetivo, jogam com vantagem. Se, ademais, conseguem apropriar-se do termo “social”, até o ponto de que seu próprio nome aparece associado a ele - como ocorre com o socialismo - lhes resultará ainda mais fácil suscitar simpatias e afinidades quase inconscientes (...) Para completar nosso quadro teríamos que indagar-nos sobre o que se costuma entender por “privado”. Algo “privado” aparece, antes de mais nada, como algo de que se excluiu alguém. O termo cobra assim, uma clara conotação negativa (...) Chega um momento em que a chave do privado já não se situa em seu titular senão - para falar como os juristas - em sua excludente dimensão erga omnes (...) Em tais circunstâncias, se alguém - no âmbito político - se deixa levar a essa forçada contraposição entre o privado e o público, terá a batalha perdida de antemão.

E prossegue o professor Ollero, com muita agudeza, constando, na sociedade espanhola, algo que com ela compartilhamos: Se contrapõe em nossa sociedade uma arraigada divinização ética do Estado. Nisto somos, assombrosamente, "hegelianos" sem o saber, como aquele sujeito que falava sempre, inadvertidamente, em prosa... O Estado se converte em símbolo do desinteresse absoluto. Todo o estatal é indiscutivelmente desinteressado, frente ao particular, interessado por definição. Como conseqüência, se uma determinada tarefa pode ser feita por um particular ou pelo Estado, as pessoas - prevendo benefício - optarão por que ela seja assumida pelo Estado, sobretudo se se trata de um âmbito em que esteja afetada de maneira especial a vida dos cidadãos.

Nada diferente do que, por longo tempo, aconteceu entre nós e com cujos desdobramentos ainda convivemos. As calçadas das Bolsas de Valores, em dia de leilão de empresas estatais, são as praças de guerra dos conflitos que refletem essas tensões fisiológicas e respectivos argumentos ideológicos.

O segundo grupo à mesa do banquete proclamará que o Estado é um mal necessário e redutível a uma expressão mínima que acabe por lhe suprimir toda significação. Recém-desembarcadas de um curso sobre História Universal na constelação Alfa-Centauro, essas pessoas enfrentam dificuldades para compreender o mundo em que vivem e o gênero humano a que pertencem. Talvez porque absolutamente não consigam discernir o que acontece no mundo, certificam, no que lhes diz respeito, a exatidão de Vico quando afirmava que homo non intelligendo fit omnia.

O Estado é um bem a ser buscado como necessário. O fato de que suas instituições muitas vezes sejam abusadas não torna menos evidente que na ausência do Estado a humanidade regrediria à uma selvageria com variáveis graus de sofisticação. Não parece razoável admitir que disfunções institucionais mais ou menos freqüentes façam transitar em julgado sentença condenatória a tudo que é público pela via estatal porque isso seria o mesmo que considerar desprezível o músculo cardíaco diante da grande incidência de cardiopatias.

No entanto a vida continua e a questão persiste: que tamanho deve ter esse Estado, que é um bem? Creio que a conferência do professor Andrés Ollero, chamando a atenção para o fato de que o estatal não é necessariamente equivalente a social nem público, e indicando, ademais, que o conceito de privado não se opõe necessariamente ao de social e que nem sempre o estatal é desinteressado, nos sinaliza na direção de buscar resposta a essa pergunta no campo do interesse público e do social. E a abandonar, por menos relevante, a mera tensão entre estatal e privado dentro da qual quase compulsivamente nos pautamos.

Na medida em que nos fixamos no interesse público e social, estamos nos abeirando da idéia de bem comum, tratada em capítulo anterior e apontado como único motivo legítimo das ações políticas. O tamanho do Estado terá uma obrigatória relação com essa finalidade. Ali se viu que o bem comum não mantém relação exclusiva com a Política mas para ele também devem, por imposição moral, convergir as ações que habitualmente se incluem no campo das chamadas atividades privadas, razão pela qual não se pode pressupor uma incompatibilidade natural entre as expressões do binômio público/social e privado. De resto, as experiências empresariais mais bem sucedidas neste fim de século testemunham de modo tão eloqüente o acerto de tal ensinamento que fica difícil compreender porque tarda ele a penetrar e a fecundar de maneira eficaz determinados círculos públicos e privados brasileiros.

Tendo presente o que ali se afirmou sobre a relação entre o conteúdo do bem comum específico e os governos, será condição do Bem Comum que a sociedade possa periodicamente rever e, se for o caso, modificar, as estruturas do Estado, do Governo e da Administração em conformidade com aquilo que tenha sido decidido dentro do processo político. Mudanças estruturais não eqüivalem ao processo de sedimentação ocorrido no Brasil, onde cada governo, durante décadas, foi construindo sua própria estrutura sobre a estrutura anterior, agregando as próprias camadas às camadas preexistentes, e gerando a multifoliada e mastodôntica cebola burocrática com a qual convivemos.

Por outro lado, e com isso chega-se ao núcleo do tema, a pessoa humana e a comunidade são anteriores ao Estado. Portanto, suas iniciativas não devem ser inibidas pelo Estado, nem pode o Estado assumir como encargo seu aquilo que a pessoa humana e a comunidade possam fazer bem feito. Trata-se do princípio da Subsidiariedade: a sociedade maior não deve fazer aquilo que a sociedade menor possa fazer bem feito. O ancestral desacato a esse princípio no Brasil foi levado tão longe, criando situações tão aberrantes, que hoje, mesmo entre os segmentos políticos da esquerda, se encontra bolsões de consenso sobre a necessidade de se revisar as atribuições dos três níveis de governo.

Portanto, à luz dos princípios do Bem Comum e da Subsidiariedade, o Estado deve ter, a cada momento, o tamanho necessário para fazer aquilo que a pessoa humana e a sociedade não possam fazer bem feito. Entendido esse conceito, torna-se inafastável a idéia de um Estado organizado de maneira flexível, cujo porte possa variar para atender e deixar de atender aquilo que a sociedade lhe vá balizando a partir dos limites de suas próprias possibilidades e competências. Num mundo em permanente mutação, no qual as ondas se sucedem com crescente rapidez, esse Estado dificilmente será mínimo no sentido equivalente a inexpressivo mas o será no sentido de menor possível, como conseqüência da conjugação do Bem Comum com a Subsidiariedade.

Além da dimensão política que aqui se enfatizou, o princípio da subsidiariedade tem uma dimensão social: ela se expressa nas relações entre os membros de uma família (com o respeito dos pais à autonomia dos filhos); e também nos condomínios, onde a administração não deve ser chamada a interferir naquilo que seja próprio dos condôminos; nas cooperativas, nos sindicatos, e em todo o conjunto dos corpos intermediários existentes na sociedade. Às instituições de ordem superior compete orientar, harmonizar, suprir e jamais substituir, inibir ou eliminar as instituições de ordem inferior.

Reconhecer a necessidade de se reduzir o porte do Estado não significa avalizar teses próprias do individualismo liberal. Por outro viés, defender a ação forte, ética e competente do Estado na promoção do bem comum não significa subscrever teses inerentes ao coletivismo. Os individualistas recusam o princípio da subsidiariedade por estarem ligados pelo umbigo à idéia de cada um por si e Deus por todos. Os coletivistas – especialmente os de perfil marxista - o rejeitam pelo excesso oposto: para eles, a pessoa e as instituições da sociedade é que são subsidiárias ao Estado. Se formos olhar bem, resta depositada no fundo desse caldo ideológico a questão do direito à propriedade privada.

O Direito à Propriedade Privada

Suponha que você tenha dedicado anos de sua vida pesquisando algo que pudesse dar solução a um determinado problema da humanidade. Você se empenhou, renunciou a muitas horas de lazer, investiu recursos que poderiam ser aplicados em benefício imediato seu e de sua família. Por fim, encontrou o que buscava e com isso se tornou detentor de um conhecimento técnico e de uma tecnologia que só você tem. Trata-se de um bem intelectual, guardado no cofre de sua mente. Será difícil conceber uma propriedade tão pessoal: é seu e só você sabe que existe. Mas existe, é seu e tem valor.

Para o coletivismo marxista, esse conhecimento não lhe pertence. Aliás, se você se apresentasse com ele ao poder público, na condição de cidadão de um estado coletivista, enfrentaria problemas sérios por ter desenvolvido seu trabalho fora do órgão oficial correspondente. Ali, não existe apropriação privada de conhecimento técnico e menos ainda de seus frutos.

Já um individualista lhe dirá que você pode fazer o que bem entender com o conteúdo de seu cofre mental. O sagrado direito de propriedade lhe permite usar ou não usar do que sabe. O que você fizer com o que lhe pertence, para si ou para outrem é problema seu. Vender, emprestar, dar, alugar ou jogar fora são alternativas do proprietário.

Contudo, essa propriedade, a exemplo de qualquer outra, tem uma função social. Você está moralmente obrigado a colocar esse bem a serviço dos demais. É lícito para você determinar o modo como fará isso: registrar uma patente, vender para comprador nacional ou estrangeiro, criar uma fundação, estabelecer uma empresa industrial ou comercial para explorar economicamente seu invento, doá-lo para uma universidade, transferir direitos para herdeiros, ou qualquer alternativa que lhe ocorra. Mas não lhe é lícito - ao menos num sentido moral - impedir que ele seja usado em benefício dos demais.

Na situação imaginária que acima apresentamos estão os elementos fundamentais da grande questão ideológica envolvendo a propriedade privada dos bens, especialmente dos bens de produção. Há os que a recusam até em seus méritos; há os que a sustentam até em suas mazelas e expressões de egoísmo e dominação; e há o que aqui se ensina. O leitor atento terá percebido que ao apresentar a questão nessa perspectiva, surgiu uma divisão na relação que se estabelece entre a pessoa e o bem: tratou-se ali da posse (o direito de ter algo como próprio) e o uso (que deve cumprir função social). Esse ensinamento, absolutamente lógico, economicamente eficiente, moralmente perfeito, decorre do princípio da Destinação Universal dos Bens. Deus criou o mundo natural para todos os homens e não criou qualquer de seus filhos desprovido do direito de acesso aos bens que proporciona.

O direito à propriedade privada serve à eficiência da vida econômica, à segurança pessoal e familiar, à liberdade e a civilização. Na ausência da propriedade as pessoas e as famílias vivem em grande insegurança e passam a depender de quem a tenha - seja do grande senhor feudal ou capitalista, quando a propriedade está mal distribuída - seja do Estado e seus senhores, quando as propriedades são todas públicas e ficam sujeitas às decisões da esfera política. Os extintos regimes comunistas exacerbaram seu caráter totalitário precisamente ao conferirem o poder econômico nas mesmas mãos que assumiram o poder político. Criaram uma sociedade de servos indigentes que desabou por ser antropologicamente errada e economicamente incompetente.

Assim, a propriedade privada: a) é um direito natural que, como salta aos olhos, vem depois de outros direitos naturais superiores, como por exemplo o direito à vida e a liberdade; b) é um direito de todos e não apenas dos que já a detêm e por isso deve estar dispersa e acessível a todos mediante o trabalho; c) implica deveres decorrentes da função social, que não é assessória nem secundária mas integra o próprio direito e lhe dá fundamento. Esses enunciados sobre o direito de propriedade surpreenderam o mundo quando foram formulados nas encíclicas sociais. Hoje, contudo, poucos países não incluem tais princípios no seu direito positivo sobre o instituto da propriedade.

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